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Artigos Científicos

Cevimelina: nova proposta terapêutica no tratamento da xerostomia

DECRITORES: Xerostomia – Saliva – Terapia – Boca – Glândulas Salivares

Resumo:

A xerostomia é uma alteração quantitativa e/ou qualitativa da saliva que causa a sensação de boca seca. Neste trabalho além de ser discutida sua etiologia, diagnóstico, alterações da cavidade bucal e tratamento da xerostomia, os autores apresentam revisão de literatura de uma droga recém aprovada pelo FDA denominada cevimelina. A cevimelina é um sialogogo que possui a capacidade de incrementar o fluxo salivar. Esta é apresentada como uma alternativa para o tratamento dos pacientes portadores desta condição que em muito piora a qualidade de vida dos pacientes.

Revisão de literatura

A saliva exerce um papel essencial na manutenção da saúde oral. Alterações na função e/ou quantidade salivar levam ao comprometimento dos tecidos da cavidade oral e suas funções, e tem um grande impacto na qualidade de vida do paciente. Reduções do fluxo salivar se manifestam mais comumente com sintomas de boca ressecada. Essa queixa subjetiva de boca seca é denominada de xerostomia, ao passo que alterações objetivas na quantidade de saliva, são referidas como hipossalivação¹.

Para alguns autores, a xerostomia seria caracterizada pela secura evidente das mucosas, enquanto que a hiposalivação seria a diminuição do fluxo salivar e conseqüentemente menores efeitos colaterais que a xerostomia10,11.

As estruturas anatômicas responsáveis pela produção e secreção da saliva são as glândulas salivares e estão divididas em dois grupos distintos. As glândulas salivares maiores ( paródita, sub-mandibular e sub-lingual ) e as menores, que estão dispersas por toda a cavidade bucal e podem ser classificadas funcionalmente pelo seu produto de secreção ( serosa, mucosa ou mista ). O volume de secreção salivar diário é de aproximadamente 1,5 litros por dia.

  • Especialista e Mestre em Estomatologia
  • Doutor pelo Depto de ORL/CCP da UNIFESP
  • Prof. Dr. das Disciplinas de Estomatologia e Pacientes Especiais da UNISA
  • Especialista, Mestre e Doutor em Estomatologia pela USP
  • Prof. Titular da Disciplina de Estomatologia da UNISA
  • Especialista, Mestre e Doutor em Estomatologia pela USP
  • Prof. Dr. da Disciplina de Estomatologia da UNISA
  • Especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial
  • Mestre e Doutorando pelo Depto de ORL/CCP da UNIFESP
  • Prof. Dr. da Disciplina de Pacientes Especiais da UNISA

A produção da saliva e o seu fluxo são modulados pelo sistema nervoso autônomo, por meio da ação do neurotransmissor acetilcolina ( parassimpático )13.

No que diz respeito a sua composição, a saliva é formada basicamente por água, eletrólitos, peptídeos, glicoproteínas, lipídeos, lisozimas, lactoferrina, imunoglobulinas, histamina, leucócitos fagocitários, fluoretos e mucina.

Dentre as múltiplas funções da saliva, destacam-se a proteção antibacteriana da cavidade bucal e do epitélio gastrointestinal, lubrificação das mucosas, auxílio na formação e deglutição do bolo alimentar, manutenção do equilíbrio ácido-básico ( ph ), retenção de próteses totais, função digestiva , auxílio na fonação e percepção do paladar.

Como pode ser notada, a função normal da saliva é importante para muitos aspectos da saúde oral. Adicionalmente, a saúde geral pode ser prejudicada quando a função salivar está afetada¹.

Existem numerosas causas de xerostomia, sendo o mais comum o uso de medicamentos. São mais de 500 drogas associadas com sintomas de boca seca¹, destacando-se os antidepressivos, anti-hipertensivos, anticolinérgicos, anti-histamínicos, diuréticos, antiinflamatórios, antineoplásicos, ansiolíticos, analgésicos, antipsicóticos, relaxantes musculares, anticonvulsivos e outras. Nos Estados Unidos, dos 200 medicamentos mais prescritos pela classe médica em 1999, 63% apresentavam potencial para causar xerostomia13.

A radioterapia que inclui as glândulas salivares no seu campo de tratamento, leva a uma profunda e permanente perda da função secretora¹,5,12,14.

Emoções4,12 ( como o estresse, depressão e ansiedade ) e certas doenças sistêmicas, como a doença de Parkison7,12, hepatite C6, hipotireoidismo¹,4, HIV¹,5,14, doença de Mikulicz³, síndrome de Sjogren¹,³,5,7,12,14 , doenças neurológicas5, tumores7 e diabetes¹,5,8 podem levar o paciente a apresentar boca seca, além de infecções de origem viral e bacteriana¹,7,8, menopausa5, anorexia8, respiração bucal14, bulimia8, alcoolismo8,, fumo14 e hipovitaminose A³ e a idade14.

Alterações eletrolíticas do organismo, como vômitos7, diarréia7, sede7 e hemorragias7, são causadoras de ressecamento bucal leve, que também se ocorre em pacientes portadores de respiração bucal³.

A redução do fluxo salivar apresenta um aumento de incidência três vezes maior no idoso do que no indivíduo adulto. Essa sintomatologia pode estar relacionada a algumas doenças sistêmicas ou a medicamentos usados no seu tratamento²,7. Mulheres são mais comumente afetadas do que os homens14.

Como consequências causadas pela xerostomia temos o aumento do índice de cáries ( particularmente envolvendo o terço cervical ou as bordas das cúspides ), doenças periodontais e candidíses, dificuldades de fonação e deglutição, diminuição na retenção de próteses totais, sensação de queimação na boca, alterações na sensibilidade gustativa, halitose, mucosas desidratadas e susceptíveis a traumas, fissuras na mucosa bucal, disfagia ( dificuldade de deglutição ), disfasia ( dificuldade em ordenar palavras ), disgeusia ( erro na percepção das sensações gustativas ), “ problemas digestivos ”, aumento da saburra no dorso lingual e ressecamento labial.

O diagnóstico de um paciente portador de xerostomia contém um princípio básico, focado em uma anamnese detalhada, investigando a fundo os fatores causadores da xerostomia, de preferência com uma série de perguntas específicas para pacientes com suspeita de boca seca. Apesar de a xerostomia sintomática não ser suficiente para o diagnóstico da disfunção salivar, algumas perguntas são úteis para identificar indivíduos que podem apresentar fluxo salivar diminuído: ressecamento na boca ao comer, necessidade de ingerir líquidos para a deglutição de alimentos secos, dificuldade para engolir e sensação de que há pouca saliva na boca9. O exame físico pode detectar mucosas ressecadas, língua fissurada e avermelhada, viscosidade salivar, doenças fúngicas, cáries e alterações de consistência das glândulas salivares. Saliva acumulada normalmente no assoalho da boca não será vista9. Exames como coleta de saliva ( sialometria ), ressonância magnética, sialografia e biópsia de glândulas salivar podem ser solicitados, além de exames específicos quando a suspeita de Síndrome de Sjogren.

O tratamento da xerostomia consiste na eliminação de suas causas, desde que seja possível e no uso de substâncias que confiram ao paciente conforto e alívio dos sintomas, que apenas podem ser controlados.

Em pacientes com ressecamento bucal leve, pode ser indicada ingestão de líquido várias vezes ao dia, além mascar de chicletes sem açúcar e cubos de maçã com gotas de limão, para alívio da sintomatologia. Deve-se evitar alimentos ácidos e condimentados, umidificadores de ambiente, ar condicionado ou aquecedores e substâncias alcalóides como a cafeína. O uso de hidratantes labiais é essencial. Em casos mais severos, o uso de substâncias químicas que aumentam o fluxo salivar, como o Cloridrato de Pilocarpina a 2% pingado sobre a língua ou ingerido em cápsulas de 5 mg podem ser efetivos para alguns pacientes. O Salivan® ( carmelose sódica ) e o Oral Balance®, que são substituidores de saliva, também podem ser utilizados.

Recentemente, um novo sialogogo, o hidrocloreto de cevimelina, foi aprovado pelo FDA ( Food and Drug Administration – USA)15 para alívio dos sintomas de boca seca em pacientes com Síndrome de Sjogren¹. A cevimelina é um anti-colinérgico que se liga a receptores muscarínicos. Os agonistas muscarínicos em doses sufucientes podem aumentar a secreção de glândulas exócrinas como as salivares e sudoríparas. A cevimelina é rapidamente absorvida possuindo um pico de concentração que varia de uma hora e meia a duas horas. Quando administrada junto com alimentos ocorre uma redução da sua absorção, com decréscimo de aproximadamente 17,3% de sua dose. A dose recomendada de cevimelina é de 30mg, três vezes ao dia. Ainda não existe informação suficiente para permitir o uso de doses acima de 90mg/dia. Os principais efeitos colaterais da cevimelina são caracterizados por sintomas parassimpáticos15. Esses incluem dor de cabeça, lacrimejamento, sudorese, náuseas, vômitos, diarréia e tremores. Os pacientes devem ser informados que a cevimelina pode causar distúrbios visuais, especialmente à noite, onde podem ser impedidos de dirigir com segurança. Outra recomendação necessária é que em pacientes com transpiração excessiva quando do uso de cevimelina devem consumir maior quantidade de líquido para prevenir a desidratação. Suas principais indicações estão embasadas nos quadros de redução do fluxo salivar, como em pacientes idosos, portadores da Síndrome de Sjogren e pacientes submetidos à radioterapia na região de cabeça e pescoço. Nos pacientes portadores de doenças cardiovasculares como história de infarto do miocárdio e angina pectoris, o uso da cevimelina deve ser feito sob acompanhamento cuidadoso15.

Instruções de higiene oral e dieta alimentar, evitando alimentos maciços, condimentados ou ácidos, bebidas alcoólicas e carbonadas, assim como o tabaco. Como os quadros de xerostomia podem contribuir para acréscimo do índice de cáries, é indicada aplicação tópica de flúor e/ou recomendações para o uso diário de soluções de fluoreto de sódio a 0,05%, bem como o uso diário de soluções de gluconato de clorexidina a 0,012%12.

Conclusão

A Cevimelina parece ser uma droga promissora para o melhora da qualidade de vida dos pacientes portadores de xerostomia.

Por tratar-se de um medicamento com pouco tempo de utilização clínica, requer ainda maiores estudos para se determinar com segurança à dose terapêutica, bem como seus efeitos colaterais.

Referências bibliográficas

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11- BRENNAN M. T., et al. Treatment of Xerostomia: a systematic review of therapeutic trials. Dent Clin North Am. V. 46, n. 4, p. 847-56, Oct 2002.

12- COELHO C. M. P., et al. Implicações clínicas da xerostomia: Abordagens sobre o diagnóstico e tratamento. Rev APCD. V. 56, n. 4, p. 295-289. Jul/Ago 2002.

13- WYNN R. L., MEILLER T. F. Drugs and dry mounth. Gen Dent, v. 49, n. 1, p. 10-123, Jan/Fev 2001.

14- NEVILLE D. D. S. et al. Patologia Oral e Maxilofacial. Editora Guanabara Koogan, 1998.

15- www.fda.gov ; Acesso em Maio de 2008

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Contribuição de cada autor no trabalho

Sob a coordenação do Prof. Dr. Carlos Eduardo X. S. Ribeiro da Silva, os Professores Francisco Octávio Teixeira Pacca; Artur Cerri e João Ferreira dos Santos Junior realizaram a pesquisa bibliográfica correspondente ao assunto, traduzindo-a e interpretando-a.